quarta-feira, 28 de abril de 2010

Poemas de Fernado Pessoa (ortônimo)

Conforme prometido...

Poesias de Fernando Pessoa (ortônimo)

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

Navegar é Preciso

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.



Eros e Psique

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
à cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Fernando Pessoa heterônimos (cont.)

Olá, cambadinha dos 3ºs A e B!

E aí, Gostaram do Fernando Pessoa? Ele é O Cara, não é mesmo? Aqui está a postagem sobre os heterônimos Ricardo Reis e Álvaro de Campos pra vocês conhecerem. Enquanto isso, vou preparando um exercício para fixação.

Até mais,

Jusara

Ricardo Reis

nasceu no Porto, em 1887. Foi educado num colégio de jesuítas, tendo recebido, por isso, uma educação clássica (latina). Estudou (por vontade própria) o helenismo, isto é, o conjunto das ideias e costumes da Grécia antiga (sendo Horácio o seu modelo literário). A sua formação clássica reflete-se, quer a nível formal, quer em nível dos temas por ele tratados e da própria linguagem utilizada, com um purismo que Pessoa considerava exagerado.
Apesar de ser formado em medicina, não exercia. Dotado de convicções monárquicas, emigrou para o Brasil após a implantação da República. Caracterizava-se por ser um pagão intelectual lúcido e consciente (concebia os deuses como um ideal humano), refletia uma moral estoico-epicurista, ou seja, limitava-se a viver o momento presente, evitando o sofrimento (“Carpe Diem”) e aceitando o caráter efêmero da vida.


Características temáticas

Epicurismo
- busca da felicidade relativa
- moderação nos prazeres
- fuga à dor
- ataraxia (tranquilidade capaz de evitar a perturbação)

Estoicismo
- aceitação das leis do destino
- indiferença face às paixões e à dor
- abdicação de lutar
- autodisciplina

Horacionismo
- carpe diem: vive o momento
- aurea mediocritas: a felicidade possível no sossego do campo (proximidade de Caeiro)

Paganismo
- crença nos deuses
- crença na civilização da Grécia
- sente-se um "estrangeiro" fora da sua Pátria, a Grécia.
Culto do Belo, como forma de superar a efemeridade dos bens e a miséria da vida
Intelectualização das emoções
Medo da morte

Neoclacissismo
- Poesia construída com base em ideias elevadas
- Odes
- Quase ausência de erotismo em contraste com o seu mestre Horácio

Características estilísticas
Submissão da expressão ao conteúdo: a uma ideia perfeita corresponde uma expressão perfeita
Forma métrica: ode
Estrofes regulares em verso decassílabo alternadas ou não com hexassílabo
Verso branco
Recurso frequente à assonância, à rima interior e à aliteração
Predomínio da subordinação
Uso frequente do hipérbato
Uso frequente do gerúndio e do imperativo
Uso de latinismos (atro, ínfero, insciente,...)
Metáforas, eufemismos, comparações
Estilo construído com muito rigor e muito denso


Poesias

Breve o Dia

Breve o dia, breve o ano, breve tudo.
Não tarda nada sermos.
Isto, pensado, me de a mente absorve
Todos mais pensamentos.
O mesmo breve ser da mágoa pesa-me,
Que, inda que mágoa, é vida.



Dia Após Dia

Dia após dia a mesma vida é a mesma.
O que decorre, Lídia,
No que nós somos como em que não somos
Igualmente decorre.
Colhido, o fruto deperece; e cai
Nunca sendo colhido.
Igual é o fado, quer o procuremos,
Quer o 'speremos. Sorte
Hoje, Destino sempre, e nesta ou nessa
Forma alheio e invencível.


Vossa Formosa


Vossa formosa juventude Ieda,
Vossa felicidade pensativa,
Vosso modo de olhar a quem vos olha,
Vosso não conhecer-vos —
Tudo quanto vós sois, que vos semelha
À vida universal que vos esquece
Dá carinho de amor a quem vos ama
Por serdes não lembrando
Quanta igual mocidade a eterna praia
De Cronos, pai injusto da justiça,
Ondas, quebrou, deixando à só memória
Um branco som de 'spuma.




Álvaro de Campos

nasceu em Tavira em 1890. Era um homem viajado. Depois de uma educação vulgar de liceu formou-se em engenharia mecânica e naval na Escócia e, numas férias, fez uma viagem ao Oriente (de que resultou o poema “Opiário”). Viveu depois em Lisboa, sem exercer a sua profissão. Dedicou-se à literatura, intervindo em polêmicas literárias e políticas. É da sua autoria o “Ultimatum”, manifesto contra os literatos instalados da época. Apesar dos pontos de contacto entre ambos, travou com Pessoa ortônimo uma polêmica aberta. Protótipo da defesa do modernismo, era um cultivador da energia bruta e da velocidade, da vertigem agressiva do progresso, de que a Ode Triunfal é um dos melhores exemplos, evoluindo depois no sentido de um tédio, de um desencanto e de um cansaço da vida, progressivos e auto-irônicos.
Representa a parte mais audaciosa a que Pessoa se permitiu, através das experiências mais “barulhentas” do futurismo português, inclusive com algumas investidas no campo da ação político-social.
A trajetória poética de Álvaro de Campos está compreendida em três fases:

a primeira, da morbidez e do torpor, é a fase do "Opiário" (oferecido a Mário de Sá-Carneiro e escrito enquanto navegava pelo Canal do Suez, em março de 1914);

a segunda fase, mais mecanicista, é onde o Futurismo italiano mais transparece, é nesta fase que a sensação é mais intelectualizada;

a terceira fase, do sono e do cansaço, aquela que, apesar de parecer um pouco surrealista, é a que se apresenta mais moderna e equilibrada . É nessa fase que se enquadram: "Lisbon Revisited" (l923), "Apontamento", "Poema em Linha Reta" e "Aniversário", que trazem, respectivamente, como características, o inconformismo, a consciência da fragilidade humana, o desprezo ao suposto mito do heroísmo e o enternecimento memorialista.

Característica temáticas

Decadentismo

- abulia, tédio de viver
- procura de sensações novas
- busca da evasão

Futurismo

- elogio da civilização industrial e da técnica
ruptura com o subjetivismos da lírica tradicional
- atitude escandalosa: transgressão da moral estabelecida

Sensacionismo

- vivência em excesso das sensações (Sentir tudo de todas as maneiras ® afastamento de Caeiro)
- sadismo e masoquismo
- cantor lúcido do mundo moderno

Pessimismo (3ªfase): reencontro com o ortônimo:


- dissolução do "eu"
- a dor de pensar
- conflito entre a realidade e o poeta
- cansaço, tédio, abulia
- angústia existencial
- solidão
- a nostalgia da infância irremediavelmente perdida


Características estilísticas

-Verso livre, em geral, muito longo
-Assonâncias, onomatopeias (por vezes ousadas), aliterações (por vezes ousadas)
-Grafismos expressivos
-Mistura de níveis de língua
-Enumerações excessivas, exclamações, interjeições, pontuação emotiva,
-desvios sintáticos
-Estrangeirismos, neologismos
-Subordinação de fonemas
-Construções nominais, infinitivas e gerundivas
-Metáforas ousadas, oxímeros, personificações, hipérboles
-Estética não aristotélica na fase futurista


Poesias

Bicarbonato de Soda


Súbita, uma angústia...

Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma!

Que amigos que tenho tido!

Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido!

Que esterco metafísico os meus prpósitos todos!

Uma angústia,

Uma desconsolação da epiderme da alma,

Um deixar cair os braços ao sol-pôr do esforço...

Renego.

Renego tudo.

Renego mais do que tudo.

Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação deles.

Mas o que é que me falta, que o sinto faltar-me no estômago e na

[circulação do sangue?

Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro?
Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?

Não: vou existir. Arre! Vou existir.

E-xis-tir...

E--xis--tir ...

Meu Deus! Que budismo me esfria no sangue!

Renunciar de portas todas abertas,

Perante a paisagem todas as paisagens,

Sem esperança, em liberdade,

Sem nexo,

Acidente da inconseqüência da superfície das coisas,

Monótono mas dorminhoco,

E que brisas quando as portas e as janelas estão todas abertas!

Que verão agradável dos outros!

Dêem-me de beber, que não tenho sede!



Soneto Já Antigo

Olha, Daisy: quando eu morrer tu hás de

dizer aos meus amigos aí de Londres,

embora não o sintas, que tu escondes

a grande dor da minha morte. Irás de

Londres p'ra Iorque, onde nasceste

(dizes... que eu nada que tu digas acredito),

contar àquele pobre rapazito

que me deu tantas horas tão felizes,

Embora não o saibas, que morri...

mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,

nada se importará... Depois vai dar

a notícia a essa estranha Cecily

que acreditava que eu seria grande...

Raios partam a vida e quem lá ande!



ODE TRIUNFAL (fragmento)


À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica

Tenho febre e escrevo.

Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,

Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!

Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!

Em fúria fora e dentro de mim,

Por todos os meus nervos dissecados fora,

Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!

Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,

De vos ouvir demasiadamente de perto,

E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso

De expressão de todas as minhas sensações,

Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical -

Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força -

Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,

Porque o presente é todo o passado e todo o futuro

E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas

Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,

E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,

Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,

Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes,

Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,

Fazendo-me um acesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!

Ser completo como uma máquina!

Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!

Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,

Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento

A todos os perfumes de óleos e calores e carvões

Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!

Fraternidade com todas as dinâmicas!

Promíscua fúria de ser parte-agente

Do rodar férreo e cosmopolita

Dos comboios estrénuos,

Da faina transportadora-de-cargas dos navios,

Do giro lúbrico e lento dos guindastes,

Do tumulto disciplinado das fábricas,

E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão!