quarta-feira, 4 de abril de 2012

Ciência do Bem viver

Pequenas mudanças de atitude podem melhorar sua saúde física, mental e material. Conheça 7 hábitos comprovados cientificamente que você deve adotar para ganhar qualidade de vida.

1. OUÇA MÚSICA
Não se culpe se você é daqueles que passam o dia todo com um fone de ouvido cantarolando por aí. A música tem efeitos muito benéficos para a saúde física e mental. Já não é de hoje que os cientistas vêm estudando o fenômeno. Entre outras coisas, a música pode acalmar, estimular a criatividade e a concentração, além de ajudar na cura de uma porção de doenças.

2. PREPARE-SE PARA ENVELHECER
Ninguém gosta muito da idéia de vir a ser velho, mas isso é a melhor coisa que pode acontecer (pense na outra possibilidade). É bom reservar um tempo desde já para planejar como você pretende que seja sua velhice. Inclusive porque é bem possível que essa fase da sua vida dure bastante tempo. Graças aos avanços no saneamento básico, à descoberta de novas drogas e a fatores ambientais e de prevenção, estamos vivendo cada vez mais. Em 1900, a expectativa de vida média no Brasil ao nascer era de 33 anos. Hoje, já estamos na marca dos 67. Estudos demográficos apontam que, em 2025, o brasileiro viverá em média 75,3 anos e, por volta do ano 2050, 2 bilhões de pessoas no mundo terão mais de 60 anos. E, graças a esses mesmos motivos, os velhos estão ficando cada vez mais velhos.

3. TENHA FÉ
Costuma ser mais feliz quem consegue encontrar um significado para a vida. Esse significado pode estar em qualquer coisa - da filatelia à filantropia. Mas é na religiosidade que a maior parte da população vai buscar essa razão de viver. E encontra. Pesquisas mostram que as pessoas religiosas consideram-se, em média, mais felizes do que as não religiosas. Elas também têm menos depressão, menos ansiedade e índices menores de suicídio.

4. ANDE MAIS A PÉ
Gastar sola de sapato é um dos melhores exercícios que existem, seja para a saúde física, mental, do meio ambiente ou do bolso mesmo. Sim, porque para fazer caminhadas você não precisa gastar rios de dinheiro com academias elaboradas, muito menos com personal trainer. Um par de tênis basta, quando falamos de caminhada, não estamos nos referindo a nada profissional, que exija pista adequada e treinamento. Pode ser no seu bairro, no quarteirão da sua casa, ou até mesmo na escadaria do prédio, na pior das hipóteses.

5. TENHA (PELO MENOS) UM AMIGO
Todo mundo quer ser feliz, isso é tão verdadeiro quanto óbvio. O psicólogo Martin Seligman, da Universidade da Pensilvânia (EUA), passou anos pesquisando o assunto e concluiu que, para chegar a tal felicidade, precisamos ter amigos. Os amigos, segundo ele, resumem a soma de 3 coisas que resultam na alegria: prazer, engajamento e significado. Explicando: conversar com um amigo, por exemplo, nos dá prazer.

6. COMA DEVAGAR
Parece até falatório de mãe, mas os benefícios de diminuir o ritmo das garfadas são incríveis. Para começar, ninguém ganha tempo comendo um sanduíche na frente de um computador - o máximo que você ganha são quilos a mais, uma vez que, quanto mais rápido come, mais sente fome. Isso quer dizer que, se você comer mais devagar, provavelmente vai comer menos sem ter que fazer nenhuma dieta. O que será um ganho danado à sua saúde. Fora a redução do peso e do risco de doenças aliadas à obesidade, há diversas pesquisas que apontam que devemos diminuir a quantidade de comida se quisermos viver mais.

7. DESLIGUE A TV
Ninguém está dizendo aqui para você nunca assistir à televisão. Mas que você poderia diminuir o tempo em frente ao aparelho, isso você poderia. Até porque televisão em excesso não faz bem. Sim, o hábito de se largar no sofá e assistir a qualquer porcaria que esteja no ar pode deixar as pessoas viciadas no relaxamento que a TV produz. O problema é que essa sensação gostosa vai embora assim que o aparelho é desligado - é igualzinho ao vício em substâncias químicas. O estado de passividade e a diminuição no grau de atenção, no entanto, continuam. Quando vista por mais de 20 horas por semana, a televisão pode danificar as funções do lado esquerdo do cérebro, reduzindo o desenvolvimento lógico-verbal.
(Adaptado da Revista "Superinteressante", Editora Abril, janeiro de 2006, 49-57)

Memórias Póstumas de Brás Cubas - resumo e análise da obra de Machado de Assis

Ao criar um narrador que resolve contar sua vida depois de morto, Machado de Assis muda radicalmente o panorama da literatura brasileira, além de expor de forma irônica os privilégios da elite da época
Publicado em 1881, o livro aborda as experiências de um filho abastado da elite brasileira do século XIX, Brás Cubas. Começa pela sua morte, descreve a cena do enterro, dos delírios antes de morrer, até retornar a sua infância, quando a narrativa segue de forma mais ou menos linear – interrompida apenas por comentários digressivos do narrador.

NARRADOR

A narração é feita em primeira pessoa e postumamente, ou seja, o narrador se autointitula um defunto-autor – um morto que resolveu escrever suas memórias. Assim, temos toda uma vida contada por alguém que não pertence mais ao mundo terrestre. Com esse procedimento, o narrador consegue ficar além de nosso julgamento terreno e, desse modo, pode contar as memórias da forma como melhor lhe convém.

FOCO NARRATIVO
Com a narração em primeira pessoa, a história é contada partindo de um relato do narrador-observador e protagonista, que conduz o leitor tendo em vista sua visão de mundo, seus sentimentos e o que pensa da vida. Dessa maneira, as memórias de Brás Cubas nos permitirão ter acesso aos bastidores da sociedade carioca do século XIX.

TEMPO
A obra é apoiada em dois tempos. Um é o tempo psicológico, do autor além-túmulo, que, desse modo, pode contar sua vida de maneira arbitrária, com digressões e manipulando os fatos à revelia, sem seguir uma ordem temporal linear. A morte, por exemplo, é contada antes do nascimento e dos fatos da vida.

No tempo cronológico, os acontecimentos obedecem a uma ordem lógica: infância, adolescência, ida para Coimbra, volta ao Brasil e morte. A estranheza da obra começa pelo título, que sugere as memórias narradas por um defunto. O próprio narrador, no início do livro, ressalta sua condição: trata-se de um defunto-autor, e não de um autor defunto. Isso consiste em afirmar seus méritos não como os de um grande escritor que morreu, mas de um morto que é capaz de escrever.

O pacto de verossimilhança sofre um choque aqui, pois os leitores da época, acostumados com a linearidade das obras (início, meio e fim), veem-se obrigados a situar-se nessa incomum situação.

ENREDO

A infância de Brás Cubas, como a de todo membro da sociedade patriarcal brasileira da época, é marcada por privilégios e caprichos patrocinados pelos pais. O garoto tinha como “brinquedo” de estimação o negrinho Prudêncio, que lhe servia de montaria e para maus-tratos em geral. Na escola, Brás era amigo de traquinagem de Quincas Borbas, que aparecerá no futuro defendendo o humanitismo, misto da teoria darwinista com o borbismo: “Aos vencedores, as batatas”, ou seja: só os mais fortes e aptos devem sobreviver.

Na juventude do protagonista, as benesses ficam por conta dos gastos com uma cortesã, ou prostituta de luxo, chamada Marcela, a quem Brás dedica a célebre frase: “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”. Essa é uma das marcas do estilo machadiano, a maneira como o autor trabalha as figuras de linguagem. Marcela é prostituta de luxo, mas na obra não há, em nenhum momento, a caracterização nesses termos. Machado utiliza a ironia e o eufemismo para que o leitor capte o significado. Brás Cubas não diz, por exemplo, que Marcela só estava interessada nos caros presentes que ele lhe dava. Ao contrário, afirma categoricamente que ela o amou, mas fica claro que, naquela relação, amor e interesse financeiro estão intimamente ligados.

Apaixonado por Marcela, Brás Cubas gasta enormes recursos da família com festas, presentes e toda sorte de frivolidades. Seu pai, para dar um basta à situação, toma a resolução mais comum para as classes ricas da época: manda o filho para a Europa estudar leis e garantir o título de bacharel em Coimbra.

Brás Cubas, no entanto, segue contrariado para a universidade. Marcela não vai, como combinara, despedir-se dele, e a viagem começa triste e lúgubre.

Em Coimbra, a vida não se altera muito. Com o diploma nas mãos e total inaptidão para o trabalho, Brás Cubas retorna ao Brasil e segue sua existência parasitária, gozando dos privilégios dos bem-nascidos do país.

Em certo momento da narrativa, Brás Cubas tem seu segundo e mais duradouro amor. Enamora-se de Virgília, parente de um ministro da corte, aconselhado pelo pai, que via no casamento com ela um futuro político. No entanto, ela acaba se casando com Lobo Neves, que arrebata do protagonista não apenas a noiva como também a candidatura a deputado que o pai preparava.

A família dos Cubas, apesar de rica, não tinha tradição, pois construíra a fortuna com a fabricação de cubas, tachos, à maneira burguesa. Isso não era louvável no mundo das aparências sociais. Assim, a entrada na política era vista como maneira de ascensão social, uma espécie de título de nobreza que ainda faltava a eles.

NÃO REALIZAÇÕES

O romance não apresenta grandes feitos, não há um acontecimento significativo que se realize por completo. A obra termina, nas palavras do narrador, com um capítulo só de negativas. Brás Cubas não se casa; não consegue concluir o emplasto, medicamento que imaginara criar para conquistar a glória na sociedade; acaba se tornando deputado, mas seu desempenho é medíocre; e não tem filhos.

A força da obra está justamente nessas não-realizações, nesses detalhes. Os leitores ficam sempre à espera do desenlace que a narrativa parece prometer. Ao fim, o que permanece é o vazio da existência do protagonista. É preciso ficar atento para a maneira como os fatos são narrados. Tudo está mediado pela posição de classe do narrador, por sua ideologia. Assim, esse romance poderia ser conceituado como a história dos caprichos da elite brasileira do século XIX e seus desdobramentos, contexto do qual Brás Cubas é, metonimicamente, um representante.

O que está em jogo é se esses caprichos vão ou não ser realizados. Alguns exemplos: a hesitação ao começar a obra pelo fim ou pelo começo; comparar suas memórias às sagradas escrituras; desqualificar o leitor: dar-lhe um piparote, chamá-lo de ébrio; e o próprio fato de escrever após a morte. Se Brás Cubas teve uma vida repleta de caprichos, em virtude de sua posição de classe, é natural que, ao escrever suas memórias, o livro se componha desse mesmo jeito.

O mais importante não é a realização ou não dessas veleidades, mas o direito de tê-las, que está reservado apenas a uns poucos da sociedade da época. Veja-se o exemplo de Dona Plácida e do negro Prudêncio. Ambos são personagens secundários e trabalham para os grandes. A primeira nasceu para uma vida de sofrimentos: “Chamamos-te para queimar os dedos nos tachos, os olhos na costura, comer mal, ou não comer, andar de um lado pro outro, na faina, adoecendo e sarando…”, descreve Brás. Além da vida de trabalhos e doenças e sem nenhum sabor, Dona Plácida serve ainda de álibi para que Brás e Virgília possam concretizar o amor adúltero numa casa alugada para isso.

Com Prudêncio, vê-se como a estrutura social se incorpora ao indivíduo. Ele fora escravo de Brás na infância e sofrera os espancamentos do senhor. Um dia, Brás Cubas o encontra, depois de alforriado, e o vê batendo num negro fugitivo. Depois de breve espanto, Brás pede para que pare com aquilo, no que é prontamente atendido por Prudêncio. O ex-escravo tinha passado a ser dono de escravo e, nessa condição, tratava outro ser humano como um animal. Sua única referência de como lidar com a situação era essa, afinal era o modo como ele próprio havia sido tratado anteriormente. Prudêncio não hesita, porém, em atender ao pedido do ex-dono, com o qual não tinha mais nenhum tipo de dívida nem obrigação a cumprir.

CONCLUSÃO

Machado alia nesse romance profundidade e sutileza, expondo muitos problemas de nossa

Fonte:
Disponível em: http://guiadoestudante.abril.com.br/estude/literatura/materia_416007.shtml
Acesso em 04.04.2012

O CORTIÇO – Resumo e análise da obra de Aluísio de Azevedo

Sobre Aluísio de Azevedo

Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo foi caricaturista, jornalista, escritor e diplomata. Nasceu em São Luís (MA), em 14 de abril de 1857. Filho do vice-cônsul português David Gonçalves de Azevedo e de dona Emília Amália Pinto de Magalhães, era o irmão mais moço do comediógrafo Artur Azevedo. Da infância à adolescência, Aluísio estudou em São Luís e trabalhou como caixeiro e guarda-livros. Em 1876 embarcou para o Rio de Janeiro e matriculou-se na Imperial Academia de Belas Artes, hoje Escola Nacional de Belas Artes. Na então capital, trabalhou como caricaturista no jornal O Fígaro. Com a morte do pai, em 1878, voltou a São Luís. Seu primeiro romance, Uma Lágrima de Mulher, foi publicado em 1879. Em 1881 lançou O Mulato. Depois vieram, entre outros, Casa de Pensão (1884) e O Cortiço (1890). Em 1895 ingressou na diplomacia, abandonando a carreira literária. Morreu em Buenos Aires, na Argentina, onde servia como vice-cônsul do Brasil, em 21 de janeiro de 1913. É considerado o principal romancista do naturalismo brasileiro.




O CORTIÇO

Tendo como cenário uma habitação coletiva, o romance difunde as teses naturalistas, que explicam o comportamento dos personagens com base na influência do meio, da raça e do momento histórico
Ao ser lançado, em 1890, O cortiço teve boa recepção da crítica, chegando a obscurecer escritores do nível de Machado de Assis. Isso se deve ao fato de Aluísio de Azevedo estar mais em sintonia com a doutrina naturalista, que gozava de grande prestígio na Europa. O livro é composto de 23 capítulos, que relatam a vida em uma habitação coletiva de pessoas pobres (cortiço) na cidade do Rio de Janeiro.
O romance tornou-se peça-chave para o melhor entendimento do Brasil do século XIX. Evidentemente, como obra literária, ele não pode ser entendido como um documento histórico da época. Mas não há como ignorar que a ideologia e as relações sociais representadas de modo fictício em O Cortiço estavam muito presentes no país.

RIGOR CIENTÍFICO

Essa criação de Aluísio de Azevedo tem como influência maior o romance L’Assommoir, do escritor francês Émile Zola, que prescreve um rigor científico na representação da realidade. A intenção do método naturalista era fazer uma crítica contundente e coerente de uma realidade corrompida. Zola e, neste caso, Aluísio combatem, como princípio teórico, a degradação causada pela mistura de raças.
Por isso, os dois romances naturalistas são constituídos de espaços nos quais convivem desvalidos de várias etnias. Esses espaços se tornam personagens do romance.

É o caso do cortiço, que se projeta na obra mais do que os próprios personagens que ali vivem. Um exemplo pode ser visto no seguinte trecho:

“E durante dois anos o cortiço prosperou de dia para dia, ganhando forças, socando-se de gente. E ao lado o Miranda assustava-se, inquieto com aquela exuberância brutal de vida, aterrado defronte daquela floresta implacável que lhe crescia junto da casa, por debaixo das janelas, e cujas raízes, piores e mais grossas do que serpentes, minavam por toda a parte, ameaçando rebentar o chão em torno dela, rachando o solo e abalando tudo.”

O narrador compara o cortiço a uma estrutura biológica (floresta), um organismo vivo que cresce e se desenvolve, aumentando as forças daninhas e determinando o caráter moral de quem habita seu interior.

NARRADOR
A obra é narrada em terceira pessoa, com narrador onisciente (que tem conhecimento de tudo), como propunha o movimento naturalista. O narrador tem poder total na estrutura do romance: entra no pensamento dos personagens, faz julgamentos e tenta comprovar, como se fosse um cientista, as influências do meio, da raça e do momento histórico.

O foco da narração, a princípio, mantém uma aparência de imparcialidade, como se o narrador se apartasse, à semelhança de um deus, do mundo por ele criado. No entanto, isso é ilusório, porque o procedimento de representar a realidade de forma objetiva já configura uma posição ideologicamente tendenciosa.

TEMPO
Em O Cortiço, o tempo é trabalhado de maneira linear, com princípio, meio e desfecho da narrativa. A história se desenrola no Brasil do século XIX, sem precisão de datas. Há, no entanto, que ressaltar a relação do tempo com o desenvolvimento do cortiço e com o enriquecimento de João Romão.

ESPAÇO
São dois os espaços explorados na obra. O primeiro é o cortiço, amontoado de casebres mal-arranjados, onde os pobres vivem. Esse espaço representa a mistura de raças e a promiscuidade das classes baixas. Funciona como um organismo vivo. Junto ao cortiço estão a pedreira e a taverna do português João Romão.

O segundo espaço, que fica ao lado do cortiço, é o sobrado aristocratizante do comerciante Miranda e de sua família. O sobrado representa a burguesia ascendente do século XIX. Esses espaços fictícios são enquadrados no cenário do bairro de Botafogo, explorando a exuberante natureza local como meio determinante. Dessa maneira, o sol abrasador do litoral americano funciona como elemento corruptor do homem local.


ENREDO
O livro narra inicialmente a saga de João Romão rumo ao enriquecimento. Para acumular capital, ele explora os empregados e se utiliza até do furto para conseguir atingir seus objetivos. João Romão é o dono do cortiço, da taverna e da pedreira. Sua amante, Bertoleza, o ajuda de domingo a domingo, trabalhando sem descanso.

Em oposição a João Romão, surge a figura de Miranda, o comerciante bem estabelecido que cria uma disputa acirrada com o taverneiro por uma braça de terra que deseja comprar para aumentar seu quintal. Não havendo consenso, há o rompimento provisório de relações entre os dois.

Com inveja de Miranda, que possui condição social mais elevada, João Romão trabalha ardorosamente e passa por privações para enriquecer mais que seu oponente. Um fato, no entanto, muda a perspectiva do dono do cortiço. Quando Miranda recebe o título de barão, João Romão entende que não basta ganhar dinheiro, é necessário também ostentar uma posição social reconhecida, freqüentar ambientes requintados, adquirir roupas finas, ir ao teatro, ler romances, ou seja, participar ativamente da vida burguesa.

No cortiço, paralelamente, estão os moradores de menor ambição financeira. Destacam-se Rita Baiana e Capoeira Firmo, Jerônimo e Piedade. Um exemplo de como o romance procura demonstrar a má influência do meio sobre o homem é o caso do português Jerônimo, que tem uma vida exemplar até cair nas graças da mulata Rita Baiana. Opera-se uma transformação no português trabalhador, que muda todos os seus hábitos.

A relação entre Miranda e João Romão melhora quando o comerciante recebe o título de barão e passa a ter superioridade garantida sobre o oponente. Para imitar as conquistas do rival, João Romão promove várias mudanças na estalagem, que agora ostenta ares aristocráticos.
O cortiço todo também muda, perdendo o caráter desorganizado e miserável para se transformar na Vila João Romão.

O dono do cortiço aproxima-se da família de Miranda e pede a mão da filha do comerciante em casamento. Há, no entanto, o empecilho representado por Bertoleza, que, percebendo as manobras de Romão para se livrar dela, exige usufruir os bens acumulados a seu lado.
Para se ver livre da amante, que atrapalha seus planos de ascensão social, Romão a denuncia a seus donos como escrava fugida. Em um gesto de desespero, prestes a ser capturada, Bertoleza comete o suicídio, deixando o caminho livre para o casamento de Romão.

ALEGORIA DO BRASIL

Mais do que empregar os preceitos do naturalismo, a obra mostra práticas recorrentes no Brasil do século XIX. Na situação de capitalismo incipiente, o explorador vivia muito próximo ao explorado, daí a estalagem de João Romão estar junto aos pobres moradores do cortiço. Ao lado, o burguês Miranda, de projeção social mais elevada que João Romão, vive em seu palacete com ares aristocráticos e teme o crescimento do cortiço. Por isso pode-se dizer que O Cortiço não é somente um romance naturalista, mas uma alegoria do Brasil.

O autor naturalista tinha uma tese a sustentar sua história. A intenção era provar, por meio da obra literária, como o meio, a raça e a história determinam o homem e o levam à degenerescência.
A obra está a serviço de um argumento. Aluísio se propõe a mostrar que a mistura de raças em um mesmo meio desemboca na promiscuidade sexual, moral e na completa degradação humana. Mas, para além disso, o livro apresenta outras questões pertinentes para pensar o Brasil, que ainda são atuais, como a imensa desigualdade social.



Personagens:


Os personagens da obra são psicologicamente superficiais, ou seja, há a primazia de tipos sociais. Os principais são:

JOÃO ROMÃO – taverneiro português, dono da pedreira e do cortiço. Representa o capitalista explorador.

BERTOLEZA – quitandeira, escrava cafuza que mora com João Romão, para quem ela trabalha como uma máquina.

MIRANDA – comerciante português. Principal opositor de João Romão. Mora num sobrado aburguesado, ao lado do cortiço.

JERÔNIMO – português “cavouqueiro”, trabalhador da pedreira de João Romão, representa a disciplina do trabalho.

RITA BAIANA – mulata sensual e provocante que promove os pagodes no cortiço. Representa a mulher brasileira.

PIEDADE – portuguesa que é casada com Jerônimo. Representa a mulher européia.

CAPOEIRA FIRMO – mulato e companheiro que se envolve com Rita Baiana.

ARRAIA-MIÚDA – representada por lavadeiras, caixeiros, trabalhadores da pedreira e pelo policial Alexandre.




Disponível em: http://guiadoestudante.abril.com.br/estude/literatura/materia_415646.shtml - acesso em 04/04/2012

Missa do Galo - Machado de Assis

O conto Missa do Galo de Machado de Assis, é publicado pela primeira vez em 1893, tendo sido incluído na primeira edição de Páginas Recolhidas, em 1899.

Conto destacado na narrativa machadiana, os críticos e antologistas fazem questão de o incluir na maior parte das coletâneas de contos do príncipe da narrativa brasileira. No conto Missa do galo, Machado de Assis substitui a amargura por uma doce melancolia.

É de se notar, nesse conto, as características mais presentes em Machado de Assis tais como: o tema do adultério e, mais especialmente na personagem Conceição, a análise psicológica e a ambigüidade de comportamento.


Tipologia do conto
Diferentemente do que faz nas narrativas longas, Machado de Assis obedece, nas histórias curtas, como Missa do Galo, aos princípios essenciais do gênero: concisão, rapidez e unidade dramática. O maior dos contistas, o russo Tchecov, dizia que, se num conto aparecesse uma espingarda pendurada em alguma parede, ela deveria disparar imediatamente, sob pena de não fazer sentido a sua presença naquele relato. Esta exigência de brevidade e concentração é seguida à risca pelo autor de Missa do Galo. Nada que não seja fundamental ao desenvolvimento da trama ou à criação da atmosfera interessa.

Conto moderno, que se concentra na criação de uma atmosfera, de um fugaz momento na vida de alguma pessoa ou de um simples flagrante do cotidiano, onde as repercussões psicológicas de ações e fatos concretos são muito mais significativas do que a construção de enredo bem arquitetado e de desfecho imprevisto. Missa do Galo pertence ao grupo narrativo da linha tsheckoviana, onde o enredo é apenas esboçado e o desenrolar da ação se baseia em pequenos episódios quotidianos, com algum significado humano.

Foco narrativo
Conto narrado em primeira pessoa que mostra a genialidade de Machado de Assis como narrador memorialista, além da excelente manipulação de informações interditas.

O narrador do conto é Nogueira, um rapaz de dezessete anos de idade que veio ao Rio de Janeiro para o que chama de estudos preparatórios. É de Mangaratiba e está hospedado na casa do escrivão Menezes, viúvo de uma de suas primas e casado em segundas núpcias com Conceição, uma "santa", que se resigna com uma relação extraconjugal do marido. Este dorme fora de casa uma vez por semana dizendo que vai ao teatro. Vivem na casa, ainda, D. Inácia, mãe de Conceição, e duas escravas.

No interlóquio entre Conceição e Nogueira, não há uma intriga nem um "mistério"a resolver. Nos diálogos de aproximação entre os dois personagens principais do conto, não há uma concentração de ação nem uma linearidade intencionalmente produzida para seduzir o leitor.

É focalizado o insólito de uma situação, misto de conversa, de aconchego, de sensualidade e de insinuações. A densidade psicológica capaz de criar uma atmosfera voltada para o inusitado deve ser anotada como supremo ato da criação machadiana.

Tempo / Cenário

A elasticidade temporal também é uma das marcas da genialidade do escritor, pois a marcação do tempo psicológico transcorre independente do tempo cronológico e o leitor se vê envolvido em um clima hipnótico que só se desfaz nas linhas finais.

Missa do Galo é ambientado no Rio de Janeiro de antes da Abolição.

Personagens
Nogueira - Estudante, 17 anos, ingênuo jovem do interior que vai ao Rio de Janeiro estudar preparatórios. Na ocasião, hospeda-se na casa de Meneses.

Conceição - 30 anos, sabia das traições do marido, porém nada fazia. Por essa atitude, era considerada “santa” pelo narrador-personagem. Típico exemplo de mulher machadiana, é a fonte das perturbações do protagonista.

Meneses - Escrivão; marido de Conceição. Fora casado com uma das primas de Nogueira. Tinha uma amante (dizia que ia ao teatro). Morre de apoplexia. Não aparece no conto: somente é citado.

São citadas também duas escravas e a mãe de Conceição, que dormia no momento da conversa entre os dois personagens.

Enredo
Missa do Galo nos relata o diálogo, numa noite de Natal, entre um jovem e uma senhora casada e traída pelo marido. A história é contada sob a ótica do jovem Nogueira, intrigado com a conversa, ao mesmo tempo banal e misteriosa, envolta num clima de sensualidade. Praticamente nada acontece objetivamente entre os dois, mas o autor parece nos querer dizer que, onde nada acontece, tudo pode estar acontecendo subjetivamente e, para que o percebamos, é preciso apurar os ouvidos e ler nas entrelinhas as marcas do desejo não-explícito.

Conceição, a personagem feminina do conto, é a típica mulher machadiana, de comportamento ambíguo, misteriosa. Leia um trecho da descrição da personagem: “Pouco a pouco, (Conceição) tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa. Não estando abotoadas, as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muito claros, e menos magros do que se poderiam supor. A vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro.”

Entretido pela conversa, o jovem Nogueira quase se esqueceu do horário da missa a que esperava assistir. Durante a cerimônia, o rapaz não conseguia se concentrar, pensando na figura de Conceição. No trecho final, informa: “Na manhã seguinte, ao almoço, falei da missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo ano-bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro, em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido.” O contato entre o jovem ingênuo e a mulher madura, mais velha, vai ser retomado no conto Uns braços.

Comentários
Existem vários pontos que chamam a atenção na obra. Em primeiro lugar é o comportamento ambíguo de Conceição: à noite, mulher sedutora; no outro dia, discreta e indiferente aos acontecimentos anteriores. Em segundo lugar, o fato do narrador, Nogueira, não entender uma conversa ocorrida no passado, pois não consegue entender as mulheres.

Outro ponto interessante é a atmosfera de sedução e erotismo: à noite, os dois sozinhos, e as situações que levam a este ambiente: o marido possui amante, deixa a esposa sozinha na noite de Natal. A ingenuidade do rapaz também nos chama bastante a atenção pois contrasta com a experiência da mulher que é quem domina as ações.

Leia na íntegra o conto Missa do Galo

Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.

A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranqüilo, naquela casa assobradada da Rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.

Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.

Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver "a missa do galo na Corte". A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa.

— Mas, Sr. Nogueira, que fará você todo esse tempo? perguntou-me a mãe de Conceição.

— Leio, D. Inácia.

Tinha comigo um romance, Os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D'Artagnan e fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas. Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição.

— Ainda não foi? perguntou ela.

— Não fui, parece que ainda não é meia-noite.

— Que paciência!

Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da alcova. Vestia um roupão branco, mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não disparatada com o meu livro de aventuras. Fechei o livro, ela foi sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim, perto do canapé. Como eu lhe perguntasse se a havia acordado, sem querer, fazendo barulho, respondeu com presteza:

— Não! qual! Acordei por acordar.

Fitei-a um pouco e duvidei da afirmativa. Os olhos não eram de pessoa que acabasse de dormir; pareciam não ter ainda pegado no sono. Essa observação, porém, que valeria alguma cousa em outro espírito, depressa a botei fora, sem advertir que talvez não dormisse justamente por minha causa, e mentisse para me não afligir ou aborrecer Já disse que ela era boa, muito boa.

— Mas a hora já há de estar próxima, disse eu.

— Que paciência a sua de esperar acordado, enquanto o vizinho dorme! E esperar sozinho! Não tem medo de almas do outro mundo? Eu cuidei que se assustasse quando me viu.

— Quando ouvi os passos estranhei: mas a senhora apareceu logo.

— Que é que estava lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros.

— Justamente: é muito bonito.

— Gosta de romances?

— Gosto.

— Já leu a Moreninha?

— Do Dr. Macedo? Tenho lá em Mangaratiba.

— Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances é que você tem lido?

Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio-cerradas, sem os tirar de mim. De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Quando acabei de falar, não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos.

"Talvez esteja aborrecida", pensei eu.

E logo alto:

— D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...

— Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio, são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?

— Já tenho feito isso.

— Eu, não, perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja, hei de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha.

— Que velha o que, D. Conceição?

Tal foi o calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume tinha os gestos demorados e as atitudes tranqüilas; agora, porém, ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabinete do marido. Assim, com o desalinho honesto que trazia, dava-me uma impressão singular. Magra embora, tinha não sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo; essa feição nunca me pareceu tão distinta como naquela noite. Parava algumas vezes, examinando um trecho de cortina ou concertando a posição de algum objeto no aparador; afinal deteve-se, ante mim, com a mesa de permeio. Estreito era o círculo das suas idéias; tornou ao espanto de me ver esperar acordado; eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvira missa do galo na Corte, e não queria perdê-la.

— É a mesma missa da roça; todas as missas se parecem.

— Acredito; mas aqui há de haver mais luxo e mais gente também. Olhe, a semana santa na Corte é mais bonita que na roça. S. João não digo, nem Santo Antônio...

Pouco a pouco, tinha-se reclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muito claros, e menos magros do que se poderiam supor.

A vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia, contá-las do meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Continuei a dizer o que pensava das festas da roça e da cidade, e de outras cousas que me iam vindo à boca. Falava emendando os assuntos, sem saber por que, variando deles ou tornando aos primeiros, e rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que luziam de brancos, todos iguaizinhos. Os olhos dela não eram bem negros, mas escuros; o nariz, seco e longo, um tantinho curvo, dava-lhe ao rosto um ar interrogativo. Quando eu alteava um pouco a voz, ela reprimia-me:

— Mais baixo! mamãe pode acordar.

E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras. Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido: cochichávamos os dois, eu mais que ela, porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida. Afinal, cansou, trocou de atitude e de lugar. Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no canapé. Voltei-me e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo que ela gastou em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram pretas. Conceição disse baixinho:

— Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve, se acordasse agora, coitada, tão cedo não pegava no sono.

— Eu também sou assim.

— O quê? perguntou ela inclinando o corpo, para ouvir melhor.

Fui sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e repeti-lhe a palavra. Riu-se da coincidência; também ela tinha o sono leve; éramos três sonos leves.

— Há ocasiões em que sou como mamãe, acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na cama, à toa, levanto-me, acendo vela, passeio, torno a deitar-me e nada.

— Foi o que lhe aconteceu hoje.

— Não, não, atalhou ela.

Não entendi a negativa; ela pode ser que também não a entendesse. Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o joelho direito, porque acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só tivera um pesadelo, em criança. Quis saber se eu os tinha. A conversa reatou-se assim lentamente, longamente, sem que eu desse pela hora nem pela rnissa. Quando eu acabava uma narração ou uma explicação, ela inventava outra pergunta ou outra matéria e eu pegava novamente na palavra. De quando em quando, reprimia-me:

— Mais baixo, mais baixo...

Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver rnelhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia dizer alguma cousa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas gravuras que pendiam da parede.

— Estes quadros estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros.

Chiquinho era o marido. Os quadros falavam do principal negócio deste homem. Um representava "Cleópatra"; não me recordo o assunto do outro, mas eram mulheres. Vulgares ambos; naquele tempo não me pareciam feios.

— São bonitos, disse eu.

— Bonitos são; mas estão manchados. E depois francamente, eu preferia duas imagens, duas santas. Estas são mais próprias para sala de rapaz ou de barbeiro.

— De barbeiro? A senhora nunca foi a casa de barbeiro.

— Mas imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e namoros, e naturalmente o dono da casa alegra a vista deles com figuras bonitas. Em casa de família é que não acho próprio. É o que eu penso, mas eu penso muita cousa assim esquisita. Seja o que for, não gosto dos quadros. Eu tenho uma Nossa Senhora da Conceição, minha madrinha, muito bonita; mas é de escultura, não se pode pôr na parede, nem eu quero. Está no meu oratório.

A idéia do oratório trouxe-me a da missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo. Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a igreja. Falava das suas devoções de menina e moça. Em seguida referia umas anedotas de baile, uns casos de passeio, reminiscências de Paquetá, tudo de mistura, quase sem interrupção. Quando cansou do passado, falou do presente, dos negócios da casa, das canseiras de família, que lhe diziam ser muitas, antes de casar, mas não eram nada. Não me contou, mas eu sabia que casara aos vinte e sete anos.

Já agora não trocava de lugar, como a princípio, e quase não saíra da mesma atitude. Não tinha os grandes olhos compridos, e entrou a olhar à toa para as paredes.

— Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a pouco, como se falasse consigo.

Concordei, para dizer alguma cousa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer que era que me tolhia a língua e os sentidos. Queria e não queria acabar a conversação; fazia esforço para arredar os olhos dela, e arredava-os por um sentimento de respeito; mas a idéia de parecer que era aborrecimento, quando não era, levava-me os olhos outra vez para Conceição. A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo.

Chegamos a ficar por algum tempo, — não posso dizer quanto, — inteiramente calados. O rumor único e escasso, era um roer de camundongo no gabinete, que me acordou daquela espécie de sonolência; quis falar dele, mas não achei modo. Conceição parecia estar devaneando. Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora, e uma voz que bradava: "Missa do galo! missa do galo!"

— Aí está o companheiro, disse ela levantando-se. Tem graça; você é que ficou de ir acordá-lo, ele é que vem acordar você. Vá, que hão de ser horas; adeus.

— Já serão horas? perguntei.

— Naturalmente

— Missa do galo! — repetiram de fora, batendo.

— Vá, vá, não se faça esperar. A culpa foi minha. Adeus até amanhã.

E com o mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja. Durante a missa, a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço falei da missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo Ano-Bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido.

Disponível em: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/m/missa_do_galo - Acesso em 04/04/2012